quinta-feira, 29 de outubro de 2009

In a Strange Land

Engraçado ninguém ter me encontrado naquele confessionário. Ouso dizer que esta terra e este tempo não são de devotos. Ainda bem. Após um dia um tanto quanto desconfortável, saio deste templo, ainda confusa com as lembranças da noite passada. Quem eram aqueles dois? Por que chamei o rapaz (era Deo o nome dele?) de irmão? Por que o momento do primeiro beijo dele foi tão importante para mim?

Com milhares de questionamentos, resolvo procurar um novo abrigo, este confessionário não foi a melhor das minhas ideias. Olho para os dois lados da rua, olho para mim. Ridícula! As pessoas a minha volta se vestem de maneira tão diferente.. Será que invadi uma loja de fantasias? Ok. Mission number one: Find clothes. Pelo menos uns panos, poderia passar alguns dias fazendo novos trapos para vestir, esses humanos parecem muito à l'aise e não será difícil fazer algo que pareça com o que essas meninas vestem. Vai levar mais tempo para me acostumar a vesti-las. Não, melhor não. Farei estilo. Mesmo assim... o que eu queria mesmo? Ah sim, roupas.

Enquanto divago sobre tecidos e agulhas, acabo cruzando uma avenida movimentada. Por que vim para o claro? Claro demais, rápido demais, cores demais. Começo a sentir saudades de Londres. Cartazes como o que me deparei quando abri os olhos neste lugar (e neste século) estão por todos os lados, com mensagens confusas e repletas de pontos de exclamação e produtos dos quais nunca ouvi falar. Muitas pessoas caminham carregando um tipo de aparelho pequeno no ouvido, falando sozinhas. Muitas portas de vidro, muitas linhas retas misturadas à arquitetura mais antiga, um tanto mais familiar para meus padrões. As pessoas esbarram em mim, nem olham para trás. São tantas...

Busco desesperadamente um beco, algo que me esconda desses bárbaros. Sento-me numa espécie de caixa, tentando incorporar as novidades dessa época. Não que tenha pensado que as coisas parariam de evoluir, mas não intentava passar tanto tempo desacordada. À minha frente cruza um bêbado. Ainda tenho o gosto plúmbeo de minha última vítima, mas infelizmente ele estava sóbrio. O sangue deste rapazote imberbe emana opiáceos e álcool, não vou resistir. Um pouco de alucinação me fará bem...

_ Minhas mui sinceras desculpas – digo, olhando em seus inocentes olhos azuis – você sabe me dizer que dia é hoje?

Ele ri de mim. Alto. Mas responde.
_ Hoje é dia quatro de junho, dona, 2009, quinta-feira. Tá perdida é?

Sua risada desdenhosa ecoa pelas paredes desta rua estreita e sua falta de respeito me irrita. Menos mal, é mais fácil quando não gosto deles. Me aproximo, mimetizando um esgar de desejo e balbucio algumas palavras que o deixam rubro de vergonha. Não levarei muito tempo...



Enquanto saboreio o chumbo e os preparados sintéticos naquele sangue alucinado, o rapaz, ainda tonto, fixa seus olhos vazios no sangue em meus lábios. Num momento, não estou mais lá, e não passo de uma nuvem, o alucinógeno fazendo efeito. Parecem os opiáceos de minha querida Londres, tão suja, tão escura, tão perfeita para aqueles de minha espécie. Aqueles de minha espécie... Por onde andarão aqueles dois?

Enfim, divago, mais uma vez. O que preciso fazer mesmo? Ah! Sim! Roupas! Ah, deixe. Fico com essas por enquanto. Um abrigo agora...



Sinto que não estou no meu juízo normal, mas não há ninguém para notar isto nesta cidade limpa demais, povoada demais... vou cambaleando pelas ruas, as cores brilhando muito, os vapores do mar aumentando esta sensação de delírio.

Sem motivo aparente, sinto olhos dourados e faiscantes a me observar... Um arrepio percorre minha espinha, o terror congela meus passos. Quase inconscientemente envio um alerta àquele meu semelhante... Fecho os olhos e espero uma mensagem de meu maldito mestre, mas ela não vem. Parece que me enganei...

Ao abrir os olhos, me deparo com o abrigo perfeito. Um prédio coberto por folhas de madeira, com aparência abandonada. O terror me impele a me esconder rápido, num instinto bem próprio do animal que me tornei. Mexo em meu vestido, como se limpá-lo fizesse o pânico se esvair e descongelar meu sangue, ou mesmo conseguisse organizar minhas ideias num fluxo mais ou menos coerente. Sem sucesso. Deito. Preciso recuperar minhas forças, e um pouco de sobriedade.



Passo alguns dias assustada, semi-oculta nesta cidade estranha. Minhas saídas se resumiram a pequenos furtos em armazéns de tecidos e calçados, para que pudesse me adequar a um passeio mais longo. Ainda desconfortável com os modelos usados por esta geração, desenho um novo vestido longo e um costume, ambos num tecido negro e, suponho, discreto.

O vestido, em um estilo full dress de tea parties do início do século XIX. O costume faço em duas peças, com uma camisa simples, sem botões. Uma roupa masculina ainda pode me ser útil. O labor me distrai e aos poucos me vejo na Vila de Santos, aos pés de minha mãe... Afasto o pensamento com um movimento de cabeça.

A imagem desvanece e é substituída por um beijo da morte. Uma menina semi-nua, um rapaz assustado e uma bela e fria mulata. A cena me atinge de chofre, e a frase que proferi retumba incessantemente. “somos irmãos, somos irmãos...” Que será que aquilo significa? Me pareceu natural... Fecho os olhos e chamo novamente aquele sangue familiar. Preciso encontrá-los.



Sem resposta, aguardo mais uma noite e me dirijo àquele estranho simulacro de pub irlandês, subo na árvore da balaustrada, os cabelos soltos e os olhos fixos na lua.. Sinto que vou perder a consciência...e eles devem chegar logo.

sábado, 24 de outubro de 2009

Entre os braços a reposta.

Fico olhando pra Carol, imaginando há quanto tempo ela está nessa vida, uma criatura tão sedutora, tão linda e poderosa, como será que se tornou uma?... ainda não consigo expressar essa palavra, coisa que fazia com extrema facilidade, até gostava, e agora que me vejo nessa vida...não vida... apenas tento controlar meu desespero.

Olho pela janela fechada, instintivamente percebo que ainda há sol lá fora, volto meus pensamentos para dento do quarto, como será essa noite? quanto tempo agüentarei sem ter que atacar alguém?, hoje, ao escurecer, será diferente, pois sei o que sou, sei a que mundo pertenço agora, o crepúsculo se torna meu amigo, a partir de hoje ele se torna meu mensageiro, mas será que ainda poderei contemplar sua beleza, ou até mesmo o mais fino e belo dos raios solares poderá me fazer mal ?, tenho tantas dúvidas, e as respostas pra todas elas está aqui em meus braços, dormindo, o que aparenta ser, ironicamente, o sono dos anjos.